Sultão, um cãozinho inteligente
Veio então a vontade de fazer uma arte diferente.
Morava na cobertura de um belo edifício e tinha um cachorrinho com o nome de Sultão. Amarrou a corrente na coleira do animalzinho, subiu numa cadeira para destrancar a porta, e saiu de mansinho. Fazia tempo que não andava de elevador. Estava tão emocionado com a ventura que tremia da cabeça aos pés. O cãozinho fez pipi num cantinho e logo após a porta se abriu. Desceu ressabiado, procurando algum conhecido na portaria. Nenhum. Agora era aproveitar a saída de alguém e enfiar no meio. Não deu outra. Um grupo de senhoras saía no momento. Foi.
Pronto. Lá estava um garotinho de quatro anos de idade no meio de uma avenida bastante movimentada, segurando o animalzinho de estimação pela corrente. Ir aonde? Ah! tinha dois reais no bolso da camisa. Poderia ir à banca de revistas e comprar um gibi. Não... Além de ser muito longe, não sabia ler ainda. Que tal uma daquelas lindas maças? Hummm! Deus água na boca, mas achou que o dinheiro não chegava. Então resolveu entrar no primeiro bar e tomar um sorvete. Custou a subir num banquinho e deixou a corrente sobre as pernas, enquanto Sultão, sentadinho, olhava o movimento dos carros. Pediu, fazendo cara de gente grande.
- Um sorvete de morango.
Estava tão geladinho que até doíam os dentes e o céu-da-boca. Que delícia! Dera um espirro de manhã e a mamãe enchera-o de cuidados. Será que havia problema? Nada! Coisa gostosa não faz mal.
Pagou. Aí passou um gato e Sultão pregou em cima. E de nada adiantava chamá-lo. Só restava correr atrás. Esbarra daqui, esbarra dali, ouvindo xingatórios, atravessava ruas, escutando freadas de carros e gritos de pessoas. Conseguiu pisar na corrente e pegar o cão inquieto. Onde se encontrava? Que rua era aquela? Meu Deus! Não sabia voltar. As pernas tremiam mais que vara verde. O cachorrinho começou a farejar e tomou uma direção. Julinho o acompanhou sem nada dizer, já com os olhos inundados. Que desculpa daria à sua mãe pelos apatinhos sujos? Não sabia mentir. Aprendera com os pais que era muito feio dizer mentiras, por menores que fossem.
Mas a mãe já dera pela sua ausência e procurava feito louca por todo o condomínio, auxiliada pela empregada. Esse menino precisa de uma surra. E se foi raptado? Ora! que idéia mais absurda. E procuravam.
Ele vinha caminhando devagarinho, Sultão na frente, desanimado e com as perninhas doendo. Seria a primeira e a última vez que saía sozinho daquele jeito. E o cãozinho, sendo um animal inteligente, parou defronte ao edifício e latiu, balançando o rabinho, e depois prosseguiu rumo à portaria. O porteiro, ocupado, não percebeu sua presença. Aproveitou novamente um grupo de pessoas e entrou. Tomou o elevador e subiu.
Chegou sem ânimo até para falar. A porta se achava aberta e não havia sinal de ninguém no apartamento. O cão, de certo que prevendo alguma coisa, puxou-o para um lugar onde não haviam procurado ainda: um sótão esquecido daquele lugar. Lá Julinho retirou a corrente e pôs-se a brincar como se nada tivesse acontecido. Quando ouviu barulho em baixo, desceu cantando e pulando, fingindo que se escondia do cachorrinho.
- Meu filho! Que susto você me passou...
- Estava brincando de esconder com ele, mamãe.
- Que alívio!
Mas... e os sapatinhos?
Sultão lambera-os.
Maurício Apolinário
Enviado por Maurício Apolinário em 29/05/2008